Como
combinado na passada terça-feira, a BE, qual Agência de Viagens, desafia-te
para, ao longo deste mês de maio, descobrires um bocadinho da literatura, da
história e das belezas de cada um dos nove Países que integram a CPLP
(Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Por conseguinte, em cada semana, à terça e à
sexta, “viajaremos” até um desses países.
Assim,
depois de Angola, por ordem alfabética, temos... o BRASIL!
É o
maior país da América do Sul, banhado pelo Atlântico, e encontra-se do lado de
lá deste oceano que também é o do nosso Portugal.
Ilha Grande da Costa Verde, conjunto de 187 ilhas e ilhéus na região do Rio de Janeiro |
A sua
capital, desde 1960, é a cidade de Brasília, construída de raiz no interior do
imenso território. Embora haja um ou outro dialeto neste enorme país, a sua
língua oficial é o Português.
Brasília: Esplanada dos Ministérios, Catedral (à direita) e Palácio do Governo (ao fundo) |
A bandeira
brasileira tem duas cores: o verde, que representa as imensas florestas
tropicais, como é o caso da Amazónia, e o amarelo, que representa os vastos
recursos minerais, nomeadamente o ouro. Estas duas cores querem também lembrar
as casas reais de Bragança (a que pertencia D. Pedro I, primeiro imperador do
Brasil) e de Habsburgo (a que pertencia a Imperatriz Leopoldina, sua esposa), e
integravam a primeira bandeira adotada quando foi proclamada a independência, o
célebre Grito do Ipiranga, a 7 de setembro de 1822.
"Independência ou morte", 1888, Pedro Américo (1843-1905) |
Entretanto,
em 1889, aquando da implementação da República, o brasão imperial no centro da
bandeira…
… foi
substituído pela representação do céu noturno com constelações tal como se via
sobre a cidade do Rio de Janeiro. Simbolicamente, cada uma das estrelas
corresponde a um estado da federação brasileira. O seu número foi variando ao
longo do tempo mas, desde 11 de maio de 1992, é de 27. Por último, uma tarja
com os dizeres “Ordem e progresso”.
Com esta belíssima ilustração, vamos dar-te a conhecer um conto tradicional deste povo:
Márcio Bahia |
BRASIL
A Mãe do Ouro
"Nos princípios do mundo, havia uma velha muito velha,
que até parecia haver a morte se esquecido dela. Quase não enxergava, nem podia andar. Tremia ao menor movimento
e muito mal se ouviam suas palavras. De perto, ninguém a vira jamais, nem houve
quem se animasse a ir ao seu encontro, em seu pouso, num barraco, no meio das
montanhas.
Havia, entretanto, um casal que não acreditava na voz
do povo e sempre dizia à filha:
– Menina, a velha que ninguém sabe quem é há de ser
uma fada.
Um dia, chegou a morte e carregou com os pais da moça.
Vendo-se desamparada e sem pão, a filha tomou o caminho das montanhas.
A velha a viu e foi buscá-la no meio da ladeira,
levando-a para casa.
A gente do lugar achou graça. Tanta beleza e tanta
mocidade sepultadas com aquela mulher que vira nascer o primeiro Deus e se
tornara a mais feia e velha do mundo!
A moça, porém, tinha-se por feliz. No barraco da
montanha, todas as coisas eram de prata: paredes, teto, chão, pilares – tudo,
como musgo, se revestia de filigrana prateada. A abundância e a paz reinavam
ali.
À noitinha, quando a moça adormecia, a velha, como
vaga-lume, descia a montanha e ia até a beira de uma lagoa que os homens diziam
assombrada. Suspirava três vezes. As águas borbulhavam e sorriam. As flores
fechavam-se e transformavam-se em donzelas formosas e rapazinhos alegres. À
música das ondas e ao cântico das folhas das plantinhas, que se dobravam como
se o vento as agitasse, os pares dançavam contentes. Depois que se fartava
naquele prazer, a velha “suspirava para dentro” e tudo voltava ao que era.
A moça ignorava tudo isso e até mesmo o nome da
criatura que todos chamavam de Mãe do Mundo. E os dias foram-se passando assim.
Numa noite, a velha falou, trémula, com a voz
arrastada, que, quando chegasse a lua cheia, as duas iriam tomar banho na
lagoa.
E, quase no mesmo instante, a lua apareceu toda cheia,
iluminando a terra, como se fosse o sol.
A moça obedeceu. Supondo que a velha estava sem forças
para jornada, amparou-a pelo caminho, lembrando-se do que lhe ensinaram seus pais.
Aos poucos, uma grande transformação ia-se fazendo. A
velha, a Mãe do Mundo, ia rejuvenescendo. Suas carnes endureciam. De seus olhos
saíam longos fachos que iluminavam os caminhos que as copas das árvores
sombreavam. As ramas dobravam-se, cantando hinos. Tudo era perfume e alegria.
A moça e a velha despiram-se à beira da lagoa. O corpo
da velha era um espelho de prata em que as estrelas brilhavam e a lua refletia,
em todo seu esplendor. A moça não mostrou assombro. Aquela mulher merecia tudo.
Devia ser mesmo feita do que de melhor houvesse no mundo. Mãe do Mundo
compreendeu o pensamento dela.
E logo, das águas, surgiu um palácio maravilhoso de
cristal e pedrarias.
A velha e a moça entraram no banho. As águas
amareleceram os cabelos da jovem. A terra abriu-se e os recebeu. Mãe do Mundo
desapareceu e, com ela, o lago e o palácio.
A moça tornou-se encantada e invisível aos olhos dos
que, às vezes, encontraram um ou outro fio de seu cabelo. Saiu pelo mundo a banhar-se nos rios e nos lagos, deixando
a terra engolir os cachos, as penugens e os pedaços de seus cabelos que, de repente, não cessavam de nascer e de
crescer.
Um dia, um caçador viu um corpo de mulher revolver-se
na corrente de um rio fundo. Seu corpo e seus cabelos eram de ouro. A terra, de vez em quando, se abria e se
fechava. Se isso espantou o homem, também lhe deu coragem. la atirar-se à água, quando um braço forte o deteve. Era
o de uma velha horrível, esmolambada, fedorenta. Sua voz, como se viesse de
dentro de um buraco, ecoou:
– Fecharam-se as entranhas da terra, paralisou-se a
corrente do rio, o vento não soprou.
– É a Mãe do Ouro.
O caçador, com os cabelos em pé, viu o rio secar-se e
a moça transformar-se numa serpente.
Então, correu com medo dela, mundo afora, encontrando
por toda a parte as pontas dos cabelos louros da moça, que a Mãe do Mundo
transformara em serpente e dera o poder de morar acima das nuvens. A moça fora
transformada no Oxum-Marê, o arco-íris.
Depois que a Mãe do Ouro transformou-se na serpente
sagrada, caíram chuvas de ouro em todo o continente africano e no Brasil. O
ouro que o solo guardou não cresceu mais, é esse ouro que os homens acham em
filões, em bolsas, em pó, com muito trabalho.
Esse ouro encontra-se nos cabelos da mulher que Mãe do
Mundo acolheu em sua gruta de filigranas de prata e levou-a a banhar-se no lago
em que, mais tarde, a mesma se transformou, subindo, depois, ao céu e
convertendo-se em arco-íris. A Mãe do Ouro é a nossa Dan, a nossa Oxum-Marê."
Gostaste? É uma bela e misteriosa história, fantasiosa
e deslumbrante…
Então, até terça-feira, para um outro país… e uma nova
história!