BICENTENÁRIO
Camilo Ferreira Botelho Castelo
Branco nasceu numa
casa da Rua da Rosa, na freguesia dos Mártires, em Lisboa,
a 16 de março de 1825 e suicidou-se, na sua casa
de São Miguel de Seide, em Vila Nova de
Famalicão, a 1 de junho de 1890.
Escritor, romancista, cronista,
crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor português, foi o 1.º Visconde de Correia Botelho, título que lhe foi concedido
pelo rei D. Luís em 1885.
Camilo teve uma vida atribulada, que
lhe serviu muitas vezes de inspiração para as suas novelas. Foi o primeiro
escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente de seus escritos literários,
mas, apesar de ter de escrever para o público, sujeitando-se, assim, às modas,
conseguiu manter uma escrita muito original.
Oriundo de família aristocrata, era
filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, nascido
na casa dos Correia Botelho em São Dinis, Vila Real, a 17 de agosto de 1778, e
que teve vida errante entre Vila Real, Viseu e Lisboa, onde faleceu a 22 de
dezembro de 1835, tomado de amores por Jacinta Rosa do Espírito Santo
Ferreira (Sesimbra, Santiago, 27 de janeiro de 1799 – 6 de fevereiro
de 1827), com quem não se casou mas com quem teve os seus dois filhos.
Camilo foi assim perfilhado por seu
pai apenas em 1829, como «filho de mãe
incógnita». Ficou órfão de mãe
quando tinha dois anos de idade e de pai aos dez, o que lhe criou um
carácter de eterna insatisfação com a vida. Foi recolhido, em 1835, por uma tia
de Vila Real e depois em Vilarinho de Samardã, em 1839, por sua irmã mais
velha, Carolina Rita Botelho Castelo
Branco (nascida a 24 de março de 1821 em Socorro, Lisboa), recebendo
educação irregular ministrada por dois padres de província.
Na adolescência, foi lendo clássicos
portugueses, latinos e literatura eclesiástica, enquanto fruía a vida ao ar
livre transmontana.
Com apenas 16 anos, a 18 de agosto de 1841,
em Ribeira de Pena, Salvador, casa-se com Joaquina Pereira de França
(Gondomar, São Cosme, 23 de novembro de 1826 – Ribeira de Pena, Friúme, 25 de
setembro de 1847, filha dos lavradores Sebastião Martins dos Santos, de
Gondomar, São Cosme, e de Maria Pereira de França), instalando-se em Friúme. O
casamento precoce parece ter resultado de mera paixão juvenil e não resistiu
muito tempo. No ano seguinte, prepara-se para ingressar na universidade, indo
estudar com o Padre Manuel da Lixa, em Granja Velha.
O seu carácter instável, irrequieto e
irreverente leva-o a amores tumultuosos com Patrícia Emília do
Carmo de Barros (Vila Real, 1826 – 15 de fevereiro de 1885), filha
de Luís Moreira da Fonseca e de sua mulher Maria José Rodrigues, e com a freira Isabel Cândida.
Em 1857 passou dois meses em Arga de
São João, na Serra da Arga, freguesia serrana de Caminha, altura em que escreve
os romances "Carlota Ângela" e "Cenas da Foz",
assim como assume o lugar de redator principal no jornal A Aurora do Lima.
Em 1860, aos 35 anos de idade,
refugia-se na Casa do Ermo, situada na Freguesia de Paços, concelho de Fafe.
Ainda a viver com Patrícia Emília do Carmo de Barros,
Camilo publicou, n'O Nacional, correspondências contra José
Cabral Teixeira de Morais, Governador Civil de Vila Real, com quem colaborava
como amanuense.
Esse posto, segundo alguns biógrafos,
teria surgido a convite, após a sua participação na Revolta da Maria da Fonte,
em 1846, em que terá combatido ao lado da guerrilha miguelista. Devido a essa
desavença, é espancado pelo «Olhos-de-Boi», capanga do Governador Civil.
As suas irreverentes correspondências
jornalísticas valeram-lhe, em 1848, nova agressão a cargo de Caçadores 3.
Camilo abandona Patrícia Emília nesse
mesmo ano, fugindo para a casa da irmã, na altura residente em Covas do Douro.
Tenta então, no Porto, o curso de Medicina, que não conclui, optando depois por
Direito. A partir de 1848, faz uma vida de boémia repleta de paixões,
repartindo o seu tempo entre os cafés e os salões burgueses e dedicando-se ao
jornalismo. Em 1850, toma parte na polémica entre Alexandre Herculano e o
clero, publicando o opúsculo “O Clero e o Sr. Alexandre Herculano”, defesa que
desagradou a Herculano.
Entretanto, apaixona-se por Ana Augusta Vieira Plácido e, quando esta se casa, em 1850,
tem uma crise de misticismo, chegando a frequentar o seminário, que abandona em
1852.
Ana Plácido
tornara-se mulher do negociante Manuel
Pinheiro Alves, um brasileiro que o inspira como personagem em algumas de
suas novelas, muitas vezes com carácter depreciativo.
Entretanto, Camilo seduz e rapta Ana Plácido. Depois de algum tempo a monte, são capturados e julgados pelas autoridades. Naquela época, o caso emociona a opinião pública, pelo seu conteúdo tipicamente romântico de amor contrariado, à revelia das convenções e imposições sociais. Foram ambos enviados para a Cadeia da Relação, no Porto, onde Camilo conheceu e fez amizade com o famoso salteador Zé do Telhado.
Com
base nessa experiência, escreveu “Memórias do Cárcere”. Depois de
absolvidos do crime de adultério pelo juiz José Maria de Almeida Teixeira de
Queirós (pai de José Maria de Eça de Queirós), Camilo e Ana Plácido passaram a viver juntos, contando ele 38 anos
de idade.
Entretanto, Ana Plácido tem um filho,
supostamente gerado pelo seu antigo marido, que foi seguido por mais dois de
Camilo. Com uma família tão numerosa para sustentar, Camilo começa a escrever a
um ritmo alucinante.
Em 1864, após a morte do ex-marido de
Ana Plácido (falecido a 15 de julho de 1863), o casal vai viver para uma casa,
em São Miguel de Seide, que o pretenso filho do
comerciante recebera por herança do pai — ao que tudo indica, era, na verdade,
filho de Camilo.
Em fevereiro de 1869, Camilo recebe,
do governo da Espanha, a comenda de Carlos III.
Em 1870, devido a problemas de saúde,
vai viver para Vila do Conde, onde
se mantém até 1871. É aí que escreve a peça de teatro “O Condenado”
(representada no Porto em 1871), bem como inúmeros poemas, crónicas, artigos de
opinião e traduções.
Entre 1873 e 1890, Camilo desloca-se
regularmente à vizinha Póvoa de Varzim, perdendo-se
no jogo e escrevendo parte da sua obra no antigo Hotel Luso-Brazileiro, junto
do Largo do Café Chinês.
A 17 de setembro de 1877, Camilo vê
morrer na Póvoa de Varzim, aos 19 anos, Manuel
Plácido Pinheiro Alves, primeiro filho de Ana Plácido, que foi sepultado no
cemitério do Largo das Dores. Vários biógrafos argumentam que Manuel Plácido
não seria filho de Camilo nem de Pinheiro Alves, aventando a hipótese de ser
resultado duma relação de Ana Plácido com António Ferreira Quiques.
Finalmente, a 9 de março de 1888,
Camilo casa com Ana Plácido.
Camilo passa, então, os últimos anos
da vida ao lado dela, não encontrando a estabilidade emocional que desejava. As
dificuldades financeiras, a doença e os filhos (pois considera Nuno um
desatinado e Jorge um enlouquecido) dão-lhe enormes preocupações.
Entretanto, desde 1865 que Camilo vinha
a sofrer de graves problemas visuais (diplopia e cegueira noturna), sintomas da
temida neurossífilis, o estado terciário da sífilis que supostamente alojava,
que, além de outros problemas neurológicos, lhe provocava cegueira,
aflitivamente progressiva e crescente, e que lhe ia atrofiando o nervo ótico,
impedindo-o de ler e de trabalhar capazmente, mergulhando-o cada vez mais em
trevas e em desespero suicidário. Ao longo dos anos, Camilo consulta os
melhores especialistas em busca de uma cura, mas em vão.
A 21 de maio de 1890, contacta, por
carta, o famoso oftalmologista aveirense, Dr. Edmundo de Magalhães Machado que
o visitará, em Seide, a 1 de junho. Nesse dia,
o médico, com alguma diplomacia, recomenda-lhe o descanso numas termas, deixando
para mais tarde um eventual tratamento. Quando Ana Plácido acompanha o médico
até à porta, às três horas e um quarto da tarde, sentado na sua cadeira de
balanço, desenganado e completamente desalentado, Camilo Castelo
Branco dispara um tiro de revólver na têmpora direita, sobrevivendo, em coma
agonizante, até às cinco da tarde.
A 3 de junho, às seis da tarde, o seu
cadáver chega de comboio ao Porto e no dia seguinte, conforme o seu pedido, é
sepultado no jazigo de um amigo, João António de Freitas Fortuna, no cemitério
da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa.
Durante quase 40 anos, entre 1851 e 1890, escreveu mais de 260 obras,
com a média superior a seis por ano. Prolífico e fecundo escritor, deixou obras
de referência na literatura portuguesa.
Apesar de toda essa fecundidade,
Camilo Castelo Branco não permitiu que esta intensa produção prejudicasse a
beleza idiomática ou mesmo a dimensão do seu vernáculo, transformando-o numa
das maiores expressões artísticas e a sua figura num mestre da língua
portuguesa.