Na passada terça feira, no mesmo dia
em que tomou posse, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou os seus cinco escolhidos
para o Conselho de Estado, um órgão muito importante de aconselhamento
do Presidente da República. Assim, reconduziu os quatro que já havia
nomeado no mandato anterior e teve de anunciar alguém para ocupar o lugar
deixado vago por Eduardo Lourenço, um grande pensador que morreu em
dezembro.
E quem é que o Presidente escolheu?
Uma mulher… escritora!
Lídia
Jorge é o seu nome e
nasceu a 18 de junho de
1946 em Boliqueime,
no Algarve. Filha única de agricultores, os livros foram a sua grande
companhia durante a infância. Mas levou algum tempo até se decidir a publicar
romances.
Antes ainda foi professora do ensino secundário e viveu alguns anos em Angola e Moçambique, durante o tempo doloroso da guerra colonial cujo início fará 60 anos no próximo abril.
Ficou tão impressionada com o que viu que escreveu o romance “A Costa dos Murmúrios”,
já adaptado ao cinema. Embora tenha escolhido viver em Portugal, gostaria muito
de voltar a viver em Moçambique, pois foi uma terra que a marcou muito e de que
gosta imenso.
Entre os seus numerosos romances, que
lhe valeram inúmeros prémios, nacionais e internacionais, escreveu três livros
infantis:
“O
Grande Voo do Pardal” (2007);
“Romance
do Grande Gatão” (2010);
“O
conto da Isabelinha” (2018).
Se lhe perguntam onde vai buscar as
ideias para as histórias que escreve, responde que as vai buscar à vida. Mas
não as aceita tal e qual!
E o que faz? Transforma as situações
que a incomodam e a que quer dar solução, procurando um sentido para os
episódios que a impressionam e que não entende. As situações absolutamente
mágicas que acontecem, guarda-as e escreve sobre elas.
Quanto ao ofício de escrever, dá dois conselhos a quem
deseje vir a ser escritor:
- antes de se ser escritor, é preciso ser um grande leitor. Portanto, ler muito, escolhendo
bons livros
que se adaptem à idade de cada um;
- que comece a escrever e que mostre às pessoas à sua volta, mas
que não tenha pressa de
publicar. Começar a pensar na publicação de um livro é para quando a
pessoa já tem a certeza de que aquilo que escreve pode ter algum interesse,
mas, antes, tem de se ter paciência.
Por isso, o seu grande conselho é que
se seja persistente
e paciente, criando
uma relação permanente, íntima, com os livros e com o caderno onde se vai
escrevendo.
Isto mesmo fez Lídia Jorge pois
começou a escrever muito cedo, praticamente quando aprendeu a escrever. Embora
tenha aprendido a escrever na escola, tinha, por razões familiares, uma pequena
biblioteca em casa, o que era muito raro, na altura, no sítio onde vivia. Como
não tinha irmãos nem crianças junto dela, começou a ler livros. Muitos livros…
Porém, não aceitava as histórias tal
como os livros as narravam! A partir dos nove anos começou a fazer uma espécie
de continuações, para alterar os finais. E assim fez por muito tempo. A escrita foi sempre a sua
companhia.
Então, e se não fosse escritora, o
que teria sido?
Muitas coisas, pensa Lídia Jorge.
Possivelmente, tantas quantas as personagens que tem inventado. O ser
professora e dar aulas permitiu-lhe fazer, durante vários anos, algo de que
tanto gosta: falar de escritores e de livros aos alunos. Aliás, considera mesmo
que, ser professora,
é uma profissão magnífica, que não deixa que o tempo passe ao lado. A sensação
de se ser o elo de uma cadeia de transmissão é, segundo ela, um sentimento
magnífico.
Fica a sugestão! Vamos conhecer Lídia
Jorge… lendo algum dos seus livros.
E, para começar…
Sou de vidro
Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita












