Maria Luísa Bliebernicht Ducla
Soares de Sottomayor Cardia nasceu em Lisboa a 20 de julho de 1939.
Licenciada em Filologia Germânica pela Universidade
Clássica de Lisboa, iniciou a sua atividade profissional como tradutora,
consultora literária e jornalista, tendo sido diretora da revista de divulgação
cultural Vida (1971-1972). Colaboradora de diversos jornais e revistas,
estreou-se com o livro de poemas Contrato (1970) e foi adjunta do Gabinete do Ministro da
Educação (1976-1978).
Trabalhou de 1979 a 2009 na
Biblioteca Nacional onde iniciou a sua atividade realizando uma bibliografia de
literatura para crianças e jovens em Portugal. Aí organizou numerosas
exposições, tendo sido assessora desta instituição e responsável pela Área de
Informação Bibliográfica.
Orientando-se preferencialmente
para a literatura destinada a crianças e jovens, publicou mais de 180 títulos,
sendo ainda sócia-fundadora do Instituto de Apoio à Criança. Autora de vinte e
seis guiões televisivos, realizou todos os domínios de Internet da Presidência
da República para crianças e jovens no mandato do Presidente Jorge Sampaio,
tendo elaborado diversas publicações seletivas da literatura infantil nacional
e internacional para o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, para o
Ministério da Educação e para a Fundação Gulbenkian.
Também vários poemas seus foram
musicados (por Suzana Ralha, Daniel Completo, João Portugal, Óscar Ribeiro e
outros compositores) tendo sido editado, em 1999, um CD com letras
exclusivamente de sua autoria musicados por Susana Ralha. Intitula-se 25 por ser
constituído por 25 canções e se integrar na comemoração dos 25 anos da
Revolução do 25 de Abril. Junto de escolas e bibliotecas desenvolve
regularmente ações de incentivo à leitura. Participa frequentemente em
colóquios e encontros, apresentando conferências e comunicações sobre
problemática relacionada com os jovens e a leitura e sobre literatura para os
mais novos.
Recusou, por motivos políticos, o
Grande Prémio de Literatura Infantil com que o SNI pretendeu distinguir o seu
livro História da
Papoila (1973) tendo mesmo estado presa em Caxias antes do 25 de
Abril. Em 1980 foi galardoada com o prémio Octogone pelo livro Os Ovos Misteriosos.
Recebeu o Prémio Calouste
Gulbenkian para o melhor livro do biénio 1984-1985 por 6 Histórias de Encantar, foi galardoada
com o Grande Prémio Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra em 1996 e candidata,
em 2004, escolhida pela Secção Portuguesa do IBBY (International Board on Books
for Young People), ao Prémio Hans Christian Andersen.
Em 2009 a Sociedade Portuguesa de
Autores distinguiu-a com a sua Medalha de Honra.
Em 2010 foi proposta pela DGLB como
candidata de Portugal ao Prémio Ibero-Americano SM de Literatura Infantil e
Juvenil e, em 2018 e 2020, como candidata ao prémio sueco ALMA.
Viúva do político e professor
universitário Mário Sottomayor Cardia (1941-2006), é mãe de dois filhos e avó
de quatro netos.
Em discurso direto, oiçamos as suas
palavras numa entrevista in VISÃO:
“… Nunca por nunca pensei em dedicar-me, sobretudo, à literatura
infantil. Imaginei que iria escrever romances, poesia, contos e tal. Mas eu
inventava histórias para crianças desde os 13 anos. Tenho um irmão dez anos
mais novo e tomava conta dele muitas vezes. Era um miúdo reguila, esperto e
inventivo, mas fazia muitos disparates. Pensei: “E se eu lhe contasse
histórias?” Comecei a ler-lhe uns livros que tínhamos lá em casa, mas ele
achava aqueles heróis aborrecidos. Então, inventei uns heróis à maneira dele,
diabólicos, estranhos, divertidos. E ele gostava tanto que não me deixava mudar
de história. Eram uma espécie de telenovelas: uma dessas histórias durou três
anos…”.
“… Um dia, por desfastio, apeteceu-me escrever um livro para crianças: A
História da Papoila (1973). Não conhecia editoras de literatura infantil e fui
aos Estúdios Cor. Quem lá estava era o José Saramago, homem que eu não conhecia
de parte alguma, pessoa reservada, de pouca conversa. Ele disse-me: “Deixe aí o
original e venha cá daqui a um mês.” Pensei: “Bem, ele não parecia nada
interessado, vai dar-me uma nega…” Mas ele respondeu-me: “Olhe, gostei muito do
seu livro, já arranjei ilustrador e vamos publicá-lo.” Quando a história saiu,
para nossa sorte ou azar, o regime quis atribuir-nos o Prémio Maria Amália Vaz
de Carvalho, e nós recusámos. O Saramago disse-me: “Luísa, fez muito bem em não
aceitar o prémio.” A partir daí, ficou meu amigo e pediu-me mais seis livros
para crianças para publicar no ano seguinte. E eu pensei: “Este homem tem a
mania da grandeza! Eu comecei isto por brincadeira, mas… porque é que não os
hei de fazer?”. E foi Saramago o responsável por eu ser escritora de literatura
infantil. Escrevi os seis livros, interessei-me pelo género, comecei a ter
desafios, a sentir que aquilo tinha um sentido na minha vida. E, entretanto, os
meus filhos nasceram, interlocutores a quem esses livros podiam estar
destinados.”
“… Escrever para crianças também obriga a muita disciplina mental, a
fazer escolhas de palavras e de formas de falar. De certo modo, é mais fácil
escrever para adultos do que para crianças. E porquê? Porque temos de pensar na
maneira de pensar delas, na forma como assimilam as mensagens, nas histórias
que contamos, nas palavras. Um estudo inglês mostrou que, há uns anos, as
crianças tinham um vocabulário até quatro mil palavras. Hoje, estão reduzidas a
duas mil, e só usam duzentas. Com os computadores isso piorou, porque agora
comunicam por smiles e emojis. Nem sei se algum dia eu farei um poema com
emojis metidos no meio… Não devemos degradar a literatura infantil,
infantilizando-a. Mas há que ter o bom senso de não introduzir demasiadas
palavras que uma criança não compreenda.”